“Thor” não é Shakespeare, mas podia ser pior
“Thor” devia ser o pior desenho animado da minha infância. Era como se tivessem filmado as páginas de uma HQ: os personagens mexiam um pouco a boca, apareciam uns “pows” e “bangs” nas cenas de ação – e quase não havia movimento além disso. O fato de ser sobre um deus nórdico, cuja arma era um martelo (e não uma espada laser, por exemplo), não ajudava muito. Claro que existe por aí algum especialista em quadrinhos capaz de discorrer sobre as maravilhas da história em quadrinhos original de Stan Lee, sobre sua incrível capacidade de transformar a mitologia escandinava em grande entretenimento. Mas para quem conheceu o personagem pela TV, como eu, era basicamente um desenho desanimado.
Não era em alguém como eu, portanto, que eles estavam pensando quando decidiram fazer um filme sobre “Thor”, que estreia nesta sexta-feira no Brasil. Havia uma vantagem clara no projeto: nada podia ser pior que o desenho animado. Por outro lado, era difícil imaginar que conseguiriam fazer algo interessante com personagem tão… desinteressante. Mas o resultado é digno: o deus do trovão se deu melhor no cinema do que na TV.
A escalação de Kenneth Branagh, vindo do teatro britânico, como diretor tinha um conceito claro: dar uma densidade shakespeareana ao drama familiar do prínicipe Thor (Chris Hemsworth), a sua relação conflituosa com o pai Odin (Anthony Hopkins), a sua disputa pela sucessão do trono do reino de Asgard com o irmão Loki (Tom Hiddleston). É um procedimento parecido ao que a mesma Marvel fez em “Homem de Ferro”, ao escolher o Jon Favreau para dirigir a série e reforçar o humor do personagem.
Há um custo evidente nessa opção: as cenas de ação são sacrificadas, sem um “homem de cinema” para dirigi-las. Em “Thor”, nenhuma delas tem o brilhantismo das da franquia “Homem Aranha”, de Sam Raimi. Ao menos, não falta movimento ao filme, como no desenho animado.
O problema é que não há uma contrapartida: mesmo com Branagh como diretor, o filme nunca se parece com uma peça de Shakespeare; apenas com uma história em quadrinhos que tenta emular Shakespeare e acaba remetendo a “O Senhor dos Aneis”. Toda a parte mitológica do filme é genérica. Mas não chega a ser ridícula, o que talvez seja mérito da direção de atores de Branagh.
Por outro lado, há uma parte que funciona muito bem no filme, o momento em que Thor é expulso pelo pai de seu reino e exilado na Terra. Ali ele se apaixona por uma meteorologista (Natalie Portman) e tenta controlar seus maus modos de viking para se adaptar à rotina humana. Esse lado terreno/cômico/romântico de “Thor” é bem mais interessante que a parte celestial/mitológica/dramática. No final das contas, o filme é salvo pelo seus aspectos mais banais.